A dispensa por justa causa representa a sanção máxima que o empregador pode aplicar ao empregado no curso do contrato de trabalho.
Diferente da dispensa sem justa causa, que não exige motivação específica, a justa causa só é cabível quando o trabalhador comete falta grave prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Por ser penalidade severa, determina a perda de diversos direitos rescisórios, gerando disputas judiciais frequentes sobre sua validade.
Neste texto, vamos explorar detalhadamente o conceito de justa causa, suas hipóteses legais, os elementos necessários para sua aplicação, o que cabe ao trabalhador dispensado nessa modalidade e ainda as categorias com estabilidade provisória.
Ao final, entenderemos também as demais modalidades de desligamentos no Brasil, proporcionando uma visão completa sobre o tema.
O que é justa causa?
A justa causa representa a forma mais drástica de encerramento do contrato de trabalho, pois implica na ruptura imediata da relação empregatícia sem que sejam devidas diversas verbas rescisórias e benefícios habituais.
Seu fundamento legal está no artigo 482 da CLT, que enumera situações em que o empregador pode dispensar o empregado com base em falta grave.
Essas práticas, sejam dolosas—como fraude, roubo ou agressão—, sejam culposas—quando há negligência extrema ou desídia reiterada—violam a confiança mútua que sustenta todo o contrato de trabalho.
Para que a justa causa seja aplicada de maneira válida e segura, o empregador deve respeitar alguns princípios fundamentais:
- Princípio da Proporcionalidade: a punição imposta deve se adequar à gravidade da falta. Falhas leves não justificam a sanção máxima, de modo que o empregador deve avaliar se advertências ou suspensões anteriores não seriam medidas mais apropriadas.
- Princípio da imediaticidade: a dispensa deve ocorrer tão logo o ato seja confirmado, sem “perdão tácito” ou tolerância prolongada. Se o empregador demorar meses para aplicar a penalidade, corre o risco de perder o direito à justa causa, pois transmite ao empregado a impressão de que o ato não foi tão grave.
- Teoria da Culpa: embora a CLT não especifique se a culpa do empregado precisa ser apenas dolo (intenção) ou também culpa (negligência, imprudência ou imperícia), a jurisprudência tende a exigir que haja clara demonstração de má-fé ou repetição de comportamento negligente que comprometa gravemente as atividades.
A dispensa por justa causa representa a penalidade mais grave prevista na legislação trabalhista, resultando na perda de importantes direitos rescisórios, como o aviso-prévio, o saque do FGTS com a multa de 40% e o acesso ao seguro-desemprego. Trata-se de medida excepcional, que somente se justifica diante de falta grave devidamente comprovada.
Por esse motivo, tribunais do trabalho examinam cuidadosamente as provas apresentadas, como relatórios internos, registros de faltas, testemunhos e até perícias, para verificar se a aplicação dessa penalidade realmente se coaduna com a falta cometida e com o histórico do empregado.
A correta formalização do processo — com notificação ao empregado, registros detalhados e, quando necessário, sindicância interna — é essencial para resguardar o empregador de contestações judiciais e garantir a efetividade da penalidade.
Quais são as causas da justa causa?
A CLT elenca dez hipóteses de justa causa, cujas descrições orientam empregadores e empregados sobre comportamentos que encerram abruptamente o contrato de trabalho. Cada item deve ser interpretado à luz do contexto e da proporcionalidade.
Desídia no desempenho
Refere-se à negligência repetida no cumprimento das tarefas, ausências frequentes ou atrasos injustificados que comprometem a produtividade e prejudicam a rotina da empresa.
A desídia deve ser reiterada, não bastando um ou dois episódios isolados. Exemplo: funcionário que cumpre mal a rotina de atendimento ao cliente, descumpre padrões de qualidade e se recusa a aperfeiçoar técnicas mesmo após advertências.
Incontinência de conduta ou mau procedimento
Abrange comportamentos que demonstram falta de autocontrole ou decoro no ambiente de trabalho, como discussões acaloradas, blasfêmias em frente a colegas ou clientes. O mau procedimento atinge a reputação da empresa, gerando constrangimento e desgaste interno, justificando a dispensa.
Negociação habitual
Configura quando o empregado realiza, por conta própria ou em nome de terceiros, atividades comerciais incompatíveis com seu contrato, sem autorização do empregador. Por exemplo, um vendedor que utiliza clientes e infraestrutura da empresa para vender produtos concorrentes.
Lesão à honra e boa fama
Envolve ofensas verbais ou gestos que atinjam a dignidade de colegas, superiores ou parceiros de negócio. A prática de calúnias, difamações ou difusão de boatos no ambiente corporativo gera clima de hostilidade e justifica a medida extrema.
Condenação criminal
Quando o trabalhador é condenado por crime que o torne incompatível com suas funções ou afete a relação de confiança, o empregador pode rescindir o contrato. Importante: a condenação deve ser definitiva, transitada em julgado.
Injúria ao empregador
Difere-se de simples críticas: consiste em ataques diretos à pessoa do empregador, com linguagem ofensiva ou difamatória. A injúria quebra laços de respeito mútuo, elemento essencial ao contrato.
Abandono de emprego
Caracteriza-se pela ausência injustificada por 30 dias consecutivos, presumida a vontade de não retornar às atividades. O abandono se configura automaticamente, dispensando notificação formal, mas o ideal é que o empregador busque contato antes de proceder.
Violação de segredo da empresa
Revelar informações estratégicas, dados de clientes ou processos internos sem autorização configura grave quebra de confidencialidade. A mercantilização de know-how e dados sensíveis prejudica a competitividade.
Indisciplina e insubordinação
Indisciplina inclui faltas ao regulamento interno; insubordinação é a recusa direta a ordens legítimas. Ambas demonstram desrespeito à hierarquia e comprometem a organização do trabalho.
Ato de indisciplina grave
Embora as diferenças entre insubordinação e indisciplina possam se confundir, essa categoria reforça práticas severas, como agressões físicas, porte de arma no ambiente de trabalho ou sabotagem de equipamentos.
Elementos Essenciais para Caracterizar a Justa Causa
Para que a dispensa por justa causa seja considerada válida, não basta apenas apontar uma falta grave: é preciso que três requisitos específicos estejam perfeitamente alinhados, formando a base jurídica e factual que sustenta a penalidade. São eles:
1. Infrações Comprovadas
O primeiro e mais óbvio requisito é a existência de prova inequívoca da infração disciplinar. Essas provas podem surgir em diversas formas:
- Documentais, como relatórios de auditoria que demonstrem desvios de mercadorias, e-mails internos revelando uso indevido de recursos da empresa ou registros de ponto que confirmem faltas injustificadas.
- Testemunhais, quando colegas de trabalho, supervisores ou clientes trazem depoimentos que detalham exatamente o ato praticado.
- Periciais, em casos mais complexos, como fraudes contábeis ou crimes no ambiente de trabalho, em que se recorre a exames técnicos e laudos oficiais.
Sem esse lastro probatório, a justa causa se torna frágil em eventual reclamatória trabalhista, pois o juiz exigirá provas robustas para concordar com a penalidade máxima.
2. Nexo de Causalidade
Não basta provar que o empregado cometeu um ato ilícito ou indisciplinado; é essencial demonstrar que aquela conduta tinha relação direta com suas funções e com a confiança que lhe foi conferida. Em outras palavras, deve existir um nexo de causalidade entre a falta e o contrato de trabalho:
- Se um vendedor utiliza o sistema de vendas da empresa para desviar comissões, o nexo está claro: o ato decorre diretamente da atividade para a qual foi contratado.
- Por outro lado, se um empregado sofre uma condenação criminal por fato totalmente externo às suas atribuições (por exemplo, uma briga de bar fora do horário de trabalho), a falta pode não justificar a justa causa, a menos que interfira na relação de confiança ou na imagem da empresa.
O vínculo funcional, portanto, reforça a gravidade do ato e justifica a sanção mais severa prevista na CLT.
3. Imediaticidade e Proporcionalidade
Por fim, a justa causa deve obedecer a dois princípios de gestão disciplinar:
- Imediaticidade: o desligamento deve ocorrer tão logo a empresa tenha ciência da falta grave, sem atrasos injustificáveis. Se o empregador tolera meses de má conduta sem qualquer medida, ele passa a admitir tacitamente o comportamento, enfraquecendo o argumento de falta tão grave que excluiria direitos.
- Proporcionalidade: a penalidade deve guardar proporção com a gravidade da infração. Faltas leves, como atraso ocasional, dificilmente justificam a perda de todos os direitos trabalhistas; nesse caso, advertências e suspensões seriam medidas mais adequadas. Já atos de roubo, agressão a colegas ou violação de sigilo empresarial podem justificar diretamente a justa causa.
Somente diante da presença simultânea de três elementos — prova robusta da falta grave, nexo funcional entre a conduta e o contrato de trabalho, e observância dos princípios da imediatidade e da proporcionalidade — é que a aplicação da justa causa se sustenta perante eventual questionamento na Justiça do Trabalho.
Na ausência de qualquer um deles, a penalidade corre sério risco de ser revertida, convertendo-se em dispensa sem justa causa e obrigando o empregador ao pagamento de todas as verbas rescisórias correspondentes.
Quem é Dispensado por Justa Causa Recebe o Quê?
Quando um empregado é dispensado por justa causa, ele não tem direito às verbas rescisórias típicas da dispensa sem justa causa. No entanto, existem alguns valores que permanecem devidos, pois correspondem a direitos que não se confundem com a penalidade por falta grave. A seguir, detalhamos cada um desses itens:
- Saldo de Salário
O saldo de salário refere-se aos dias efetivamente trabalhados no mês da demissão e deve ser pago proporcionalmente.
Por exemplo, se o desligamento ocorrer no dia 15 de um mês de 30 dias, o empregado tem direito a metade do salário mensal. Esse pagamento não integra verbas indenizatórias ou compensatórias; trata-se apenas do reconhecimento da prestação de serviço até a data de dispensa.
- Férias Vencidas + 1/3 Constitucional
Caso o empregado já tenha completado o período aquisitivo de 12 meses e ainda não tenha gozado as férias correspondentes, ele conserva o direito às férias vencidas, acrescidas do adicional constitucional de 1/3 sobre o valor do salário.
Não há, porém, pagamento de férias proporcionais relativas ao período incompleto de aquisição. Quem era elegível para férias e as deixou de tirar judicialmente ou administrativamente deve receber esse valor, mesmo sob justa causa.
- 13º Salário Proporcional
Independentemente da modalidade de rescisão, o empregado tem direito ao 13º salário proporcional aos meses trabalhados no ano da rescisão.
Calcula-se dividindo-se o salário por 12 e multiplicando-se pelo número de meses completos trabalhados até a data da dispensa. Diferentemente do aviso-prévio, que não é devido na justa causa, o 13º proporcional não se confunde com qualquer indenização e deve ser respeitado.
- Ausência de Seguro-Desemprego, Aviso-Prévio e Multa de 40% do FGTS
Na justa causa, o trabalhador perde o direito ao seguro-desemprego, ao aviso-prévio (seja trabalhado ou indenizado) e à multa de 40% sobre o FGTS.
Esses benefícios são considerados compensações pela dispensa sem culpa do empregado, o que não se aplica quando ele próprio cometeu falta grave. A ausência desses valores pode representar redução significativa na renda imediata, motivo pelo qual a justa causa é medida excepcional e exigente em seu procedimento.
Em resumo, embora a justa causa impeça o acesso às principais verbas indenizatórias, há direitos mínimos que subsistem para garantir que o trabalhador receba o que efetivamente entregou em serviços até o ponto de ruptura do contrato.
Conhecer cada um desses itens ajuda tanto empregadores a procederem corretamente na rescisão quanto empregados a entenderem exatamente o que lhes é garantido por lei.
Quais os tipos de desligamentos no Brasil?
A legislação trabalhista prevê cinco formas principais de rescisão:
- Dispensa sem justa causa: empregador encerra contrato sem motivo grave, pagando todas as verbas rescisórias (aviso, multa do FGTS, férias proporcionais, 13º, saque de FGTS e seguro-desemprego).
- Dispensa com justa causa: por falta grave do empregado, com verbas limitadas ao saldo de salário, férias vencidas e 13º proporcional.
- Rescisão indireta: equivalente à justa causa do empregador, ocorre quando o empregador comete falta grave, autorizando o empregado a pleitear verbas como na sem justa causa.
- Pedido de demissão: iniciativa do empregado, sem justa causa, com pagamento de saldo de salário, férias proporcionais e 13º proporcional; não há multa de FGTS nem seguro-desemprego, e pode haver desconto de aviso-prévio.
- Rescisão consensual: essa modalidade foi introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e permite que empregador e empregado, de comum acordo, encerrem o contrato de trabalho com divisão proporcional dos direitos rescisórios: o aviso-prévio é pago pela metade, a multa do FGTS é reduzida para 20%, e o trabalhador pode sacar até 80% do saldo do fundo, porém sem direito ao seguro-desemprego.
Conclusão
A aplicação da justa causa é um dos momentos mais delicados da gestão de pessoas, pois implica na perda de direitos importantes pelo empregado e no risco de contestações judiciais pelo empregador.
Embora o artigo 482 da CLT liste dez hipóteses claras para sua utilização, a prática exige não apenas a identificação de uma falta grave, mas também a comprovação robusta da conduta, o respeito aos princípios da proporcionalidade — para evitar punições desarrazoadas — e da imediaticidade — para que a penalidade reflita a gravidade do ato sem tolerâncias injustificadas.
Conhecer detalhadamente as hipóteses de desídia, insubordinação, violação de segredo, abandono de emprego e demais causas previstas, além de entender quais categorias gozam de estabilidade provisória, é fundamental para reduzir o risco de litígios trabalhistas e garantir segurança jurídica em todo o processo de dispensa. Da mesma forma, compreender as verbas remanescentes ao empregado dispensado por justa causa evita surpresas e embates futuros.
Nesse contexto, o suporte jurídico nas tomadas de decisão é essencial para assegurar que todos os atos estejam pautados na legislação vigente, nos entendimentos jurisprudenciais consolidados e na correta interpretação dos fatos. Essa orientação técnica preventiva fortalece a posição da empresa em eventuais questionamentos e reduz significativamente a exposição a passivos trabalhistas.
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